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Convertible Notes: O que são e como funcionam

O assunto desse post (Convertible Notes) é um pouco mais técnico do que a média aqui do #DiretoDoVale, mas é de interesse tanto de investidores anjo interessados em investir em startups como de empreendedores procurando financiamento para os seus projetos. Existem vários artigos sobre o assunto na Internet, mas nada completo em Português.

O texto abaixo é escrito baseado no que acontece no Vale do Silício. No Brasil as coisas são um pouco mais complicadas, mas entender como convertible notes funcionam fora do Brasil te ajuda a encontrar a melhor forma de adaptar a realidade local.

O que são Convertible Notes?

Convertible Notes é o veículo financeiro/legal mais comum para permitir que um Investidor Anjo injete Seed Capital em uma startup em incubação (antes do produto e modelo de negócios serem validados). Para entender como investimento Anjo e VC funcionam veja esse artigo.

Uma convertible note é essencialmente uma nota promissório que representa um empréstimo do investidor para a startup. O valor nominal da nota é a quantia investida ou Ticket. Como um empréstimo, ela normalmente tem uma Interest Rate (taxa de juros, tipicamente de 5% ao ano) e um Maturity Date (prazo de maturação, tipicamente 1.5 anos). Ela normalmente tem outros dois parâmetros: a Discount Rate e o Valuation Cap, que são discutidos abaixo.

Por que usar Convertible Notes?

As vantagens de convertible notes são:

  • O investidor não se torna acionista da empresa (postergando as prerrogativas e responsabilidades de um “sócio”). A participação acionária só ocorre quando houver um evento financeiro (investimento institucional, IPO ou aquisição).
  • No caso de falha da startup, o risco e responsabilidade para o investidor é limitado ao valor do investimento. A convertible note simplesmente fica sem valor monetário, mas não amarra o investidor ao processo de liquidação da empresa.
  • Com os termos típicamente oferecidos, a convertible note protege o investidor anjo contra diluição excessiva no caso de sucesso e o recompensam pelo risco de investir cedo no ciclo de desenvolvimento da empresa.
  • Não existe a necessidade de se determinar o valor (valuation) da startup com precisão (o valor de uma empresa que ainda não tem produtos/clientes/modelo de negócios validados é subjetivo). Tanto o investidor como do empreendedor concordam em usar os termos negociados no futuro com um investidor institucional para conversão da nota.

Quando e como ocorre a conversão?

Diferente de um empréstimo ordinário, a startup não devolve o investimento em dinheiro. O empréstimo é pago em participação acionária da empresa no futuro.

Normalmente, o objetivo do Seed Investment por um anjo é alavancar o crescimento da empresa de forma a viabilizar um evento financeiro (aquisição, investimento VC, IPO) em um prazo relativamente curto.

Se a startup falhar e fechar, a convertible note se converte em um pedaço de papel sem valor.

Se a empresa sobreviver mas não houver um evento financeiro, a convertible note no valor ticket + juros se converte em participação acionária na data de maturidade da nota, considerando a taxa de desconto e se considerando que o valor da empresa é o valuation cap na nota.

No caso de um evento financeiro, a nota vai ser converter em participação acionária. Essa conversão pode ocorre de duas formas alternativas (e sempre ocorre na forma mais atrativa para o investidor).

  • Se a valor da empresa no evento for baixa (menor ou próximo do valuation cap da nota), a conversão ocorre convertendo-se o valor ticket + juros, aplicando-se a taxa de desconto, e convertendo em participação acionária. Nesse caso, o investidor ganha apenas os juros e o desconto como recompensa pelo risco que assumiu.
  • Se o valor da empresa no evento for alta (significativamente maior que o valuation cap da nota), a conversão ocorre convertendo-se o valor ticket+juros em participação acionária usando o valuation cap na nota (e não o valor definido no evento) como base de conversão. Nesse caso, o ganho do investidor é significativo. O valuation cap representa um limite de diluição que garante uma participação acionária mínima no momento do evento financeiro, mesmo que a valoração da empresa se multiplique várias vezes.

Embora o valuation cap não seja valuation, para efeitos práticos, nos casos de sucesso, o investidor pode considerar o valuation cap como um análogo do valuation no momento do investimento. Se o investidor injetar $1M na empresa através de um convertible note com valuation cap de $10M, ele pode considerar que terá uma participação acionária imediatamente antes do evento financeiro de pelo menos 10%.


antique-squareMarcio Saito foi de São Paulo para a California para ajudar a estabelecer a Cyclades (a primeira empresa brasileira de tecnologia a se estabelecer no Vale) 20 anos atrás e acabou ficando. Hoje participa do ecossistema empreendedor como investidor, conselheiro, mentor, empreendedor. Me conheça.
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Churrasco e Barbecue

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De vez em quando, o #DiretoDoVale foge do tema “Empreendedorismo do Vale Do Silício para o Brasil”. Hoje vamos falar de churrasco e barbecue.

Nesse final de semana, os EUA comemoram o Dia da Independência. Essa comemoração invariávelmente ocorre em torno de uma churrasqueira. Aqui na California, o feriado de 4 de Julho é o auge do verão e o dia em que se acende a grelha no quintal e se convida os amigos para uma cerveja e… um churrasco.

Comer carne é parte importante da cultura e da dieta brasileira e americana. Como nasci no Brasil, moro na California, visitei a Australia (outro pais com tradição churrasqueira) e já passei um tempo no Alabama (onde barbecue tem outro significado), já vi muito mal-entendido quando o assunto é comer carne.

Então, antes de sair para o meu BBQ de quatro de julho, sentei aqui para esclarecer algumas dessas confusões.

Primeiro, a carne

O boi americano é genéticamente diferente do boi brasileiro. O brasileiro tem mais “Zebu” (originado na India) enquanto o boi americano tem mais “Taurino” (originado na Europa). Os métodos de criação de gado nos EUA são mais intensivos, com o boi confinado e alimentado com milho e outros grãos.

O resultado é que a carne bovina americana é mais gordurosa, mas macia e provavelmente menos saudável. No sistema de classificação do USDA (Departamento de Agricultura), uma carne tem graduação mais alta quando tem mais “marbling” (gordura misturada na carne, resultado da alimentação com grãos).

Os cortes de carne nos EUA também são diferentes. Alcatra é “Eye Round”. Contra-Filé é “Strip Steak/Rib Eye”. Maminha é “Tri-Tip”.

Picanha é difícil de encontrar (porque ele acaba dividido e misturado com outros cortes), mas quando se acha, é “Top Sirloin”. O Top Sriloin aqui acaba em espetinhos vendidos no canto da geladeira do supermercado. Mas nos últimos anos a colônia Brasileira tem treinado os vendedores de carne locais. Se você entrar em um supermercado no Vale e falar com o açougueiro atrás do balcão, e explicar: “sou Brasileiro, e quero uma peça da ponta do top sriloin, sem remover a capa de gordura”, tem chances dele dizer “ah, você quer um corte de picanha”.

Confusão, confusão

No Brasil, nós comemos “bife” (uma porção de carne, cortado em um filé fino, normalmente frito na panela ou chapa e servido no prato) ou “churrasco” (normalmente assadas no espeto ou na grelha e fatiadas no momento de servir).

Imagino que “bife” é uma tradução mal-feita de “beef” a palavra em inglês para designar carne bovina. Bife aqui é “steak”.

“Barbecue” é uma palavra usada nos paises de língua inglesa para o aparato para se cozinhar carne (a “churrasqueira”) ou o evento onde se prepara carne na grelha (a “churrascada”).

Mas no sul dos EUA  “Barbecue” (BBQ) tomou significado próprio. É uma forma específica de se preparar carne (normalmente suína): a carne é defumada e cozida em temperatura baixa por várias horas até ficar bem macia (“fall off the bone”) e servida com um molho doce a base de tomate, vinagre e acúcar (“BBQ sauce”).

  1. Carne = Beef
  2. Bife = Steak (maior e mais grosso que bife)
  3. Churrasqueira = Barbecue (fora dos EUA)
  4. Churrasqueira = Grill (EUA)
  5. Churrasco = Barbecue (California)
  6. Carne desfiada com molho = Barbecue (EUA)
  7. Não coloque molho BBQ no bife ou churrasco

Então, como se come carne nos EUA?

Enquanto no Brasil tem gente que come um “bife” quase todo dia, nos EUA, quem come carne no dia-a-dia, normalmente o faz na forma de hamburger no restaurante fast-food.

O “steak” americano é um pedaço substancial de carne (normalmente 300-500g) de uns 3cm de altura, temperado com sal e pimenta do reino, preparado na grelha e servido ao ponto. É como se come carne quando se vai a um “steak house”.

Os cortes melhores e mais populares são o “Rib Eye Steak” ou o “NY Strip Steak” (ambos em torno do contra-filé).

Quando se pede carne em um restaurante, você vai ouvir a pergunta “How do you want your steak cooked?” As respostas esperadas são “rare” (tostado fora, cru por dentro), “medium-rare” (ao ponto, que é o ponto certo), ou “medium” (um pouco mais passado que ao ponto). Se você disser “medium-well” ou “well-done” (bem passado), corre o risco de ser chutado para fora do restaurante (o que seria bem merecido).

A imagem que americano come “hamburger e hot dog” é correta até certo ponto, mas é normalmente distorcida para indicar que americanos não entendem de carne (o que não é verdade).

No churrasco do quintal, hot dogs são para as crianças. Além dos “steaks”, o corte mais comum para se assar carne na grelha em peça inteira é o “tri-tip”.

Nos EUA, o termo “Barbecue” pode ser usado como o brasileiro usa “churrasco” (uma reunião onde se prepara carne na grelha), mas também indica um jeito específico de se preparar carne no sul (defumada, assada em fogo baixo por horas, servida com molhos doces).

Preste atenção no contexto. Se estiver na California e te convidarem para um BBQ no quintal, provavelmente é um churrasco como você está acostumado. Se perguntarem se “voce gosta de BBQ?” ou convidarem para ir a um “BBQ restaurant”, isso significa outra coisa.

Colocar molho BBQ no steak é confusão de Californianos que não entendem de carne e que (pasmem) as vezes é copiado em outros lugares por gente desinformada. Em boas steak-houses, pedir “BBQ sauce” é ofensa ao mestre churrasqueiro.

Churrascarias, ou “Brazilian Steak Houses” ficaram comuns nos EUA nos últimos anos. O Fogo de Chão (que tem mais restaurantes nos EUA que no Brasil) e outra cadeias brasileiras tem restaurantes na maioria das capitais americanas. O americano sofre tentando pronunciar “churrascaria”, mas gosta da experiência.


antique-squareMarcio Saito foi de São Paulo para a California para ajudar a estabelecer a Cyclades (a primeira empresa brasileira de tecnologia a se estabelecer no Vale) 20 anos atrás e acabou ficando. Hoje participa do ecossistema empreendedor como investidor, conselheiro, mentor, empreendedor. Me conheça.

Símbolos, Histórias, e Cultura de uma Startup

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Cultura é importante para uma Startup?

Cultura é o padrão de comportamento comum entre membros de um grupo. Diz-se que cultura é como as pessoas agem quando ninguém está olhando. Quando a cultura é forte, ela reflete os valores do grupo e seus membros respondem de forma consistente aos desafios. Isso cria sinergia em relação a objetivos comuns.

A maioria das empresas faz questão de articular os seus “valores” e “missão” (quem nunca viu os cartazes nas paredes de salas de reuniões e recepção da empresa?). Na minha experiência, os cartazes são uma perda de tempo em uma empresa jovem. Cultura real se forma através de exemplos práticos e depois, histórias e símbolos que formam a mitologia da empresa. O cultivo dessa cultura pode acontecer de forma deliberada ou inconsciente.

Cultura não é suficiente, mas é necessária à sobrevivência de uma startup, porque é o que mantém as pessoas unidas nos inevitáveis momentos de dificuldades e incertezas que virão.

A empresa frugal

Era uma vez, começamos uma empresa no Vale em 1992. Sobrevivemos e crescemos de forma orgânica, sem injeção de capital externo. Então, frugalidade era parte do nosso DNA, era um valor importante na cultura da empresa. Não existiam cartazes na recepção, mas nós comprávamos passagens de classe econômica e nossas despesas corporativas não incluiam restaurantes chiques.

Na medida que nós crescemos, em torno de 2002, começamos a contratar vários diretores e executivos, alguns vindo de empresas grandes com nomes conhecidos. Os recém-chegados estavam acostumados a classe executiva  e vinhos importados, e isso naturalmente criou problemas. Os antigos se sentiam incomodados com a atitude dos recém-chegados. Os recém-chegados achavam que a empresa era muquirana sem necessidade.

Nossa reação foi estabelecer uma “política de despesas de viagens” para padronizar o comportamento dos funcionários. Ditamos um limite de gastos para diárias de hotel e alimentação que eram razoáveis para a grande maioria das situações comuns, dentro dos critérios da nossa cultura.

Aprendi muito com a história que seguiu essa situação.

Contando histórias

Como um dos “antigos”, eu tinha uma coleção de histórias de frugalidade, algumas bastante engraçadas.

Durante essa época de turbulência, tivemos um happy hour e eu contei algumas delas na mesa do bar. Uma vez ficamos em um Motel 6 (uma rede de hotéis baratos de beira de estrada) e dividimos quartos quando fomos a Las Vegas participar da Comdex. Ou quando eu quase fui atropelado por um ônibus na frente do Moscone Center em San Francisco, quando tentava contrabandear um terminal IBM 3270 para dentro da área de exposições tentando evitar pagar a taxa de equipamento.

Essas histórias não eram novas para mim ou para os antigos, mas eram novidade para os recém-chegados. Elas se espalharam rápidamente e, nos dias que se seguiram, as ouvi recontadas nos corredores da empresa.

Hoteis baratos e roedores

No mesmo período, eu (que era o CTO) e o CEO da empresa estávamos planejando nosso tour anual para falar com a mídia e os analistas de mercado em New York e Boston. Para quem já visitou essas cidades, é claro que $100 não dá para a diária de nenhum lugar razoável para passar uma noite. Certamente fazia sentido abrir uma excessão à regra e pagar um pouco mais para ficar próximo às reuniões.

Quando a secretária fazendo as reservas veio nos perguntar sobre isso, nós decidimos aderir ao que estava na política recém-publicada. Tivemos que ficar em Queens para as reuniões em New York e fora da cidade em um hotel bem ruim em Boston (que tinha ratos correndo pelo corredor).

Quando retornamos da viagem, a gerente de PR (que ficou muito brava) contou as histórias do que passamos na viagem. Eu observei o mesmo fenômeno anterior, as histórias se propagaram pelos corredores.

Mitologia da empresa

Depois dos eventos descritos, nunca mais tivemos problemas ou reclamações relacionados a despesas de viagem. Todos, antigos e recém-chegados, internalizaram frugalidade como um valor cultural da empresa. Se tivéssemos retirado as políticas publicadas, nada mudaria.

Em retrospecto, foi isso que aconteceu:

  • As histórias antigas, que os antigos viveram ou conheceram indiretamente formam a mitologia da empresa. Essa mitologia influencia as pessoas através dos canais inconscientes do cérebro para suportar a cultura da empresa.
  • A decisão de seguir a política mesmo quando claramente a decisão racional era abrir uma excessão serviu de símbolo e validou a cultura. Se o CEO se sujeita a passar uma noite em Queens e acordar 2 horas antes para ir a uma reunião em NYC, porque alguém iria reclamar de ter que ficar no Courtyard ao invés do Marriott em Kansas?

Para evitar a diluição da cultura quando a empresa cresce, para cultivar novos valores positivos, organizações maduras precisam fazer tudo que você encontra nos livros e estuda no MBA: articular os valores e missão da empresa claramente, considerar perfil pessoal na hora da contratação, oferecer treinamento a novos funcionários, implementar políticas e processos alinhados.

Mas, o que a prática me ensinou é que, mais importante para empresas jovens, é colecionar histórias (verdadeiras, mas realce os detalhes que as tornam interessantes e memoráveis se necessário) e cultivar a mitologia da empresa através do uso repetido delas. Esse processo precisa ser autêntico, mas pode contar com um pouco de disciplina intencional.

Ser verdadeiro em relação aos seus valores é bom, mas não é suficiente. A liderança precisa prover símbolos, a validação prática da cultura da empresa. As vezes, ela precisa desafiar o bom-senso para criar símbolos memoráveis que transmitam valores claramente.

Steve Jobs também fazia isso

Mesmo quem nunca trabalhou na Apple já ouviu as histórias de como o Steve Jobs demitia funcionários no meio de uma reunião se ele não gostasse de um detalhe de um design. Funcionários da Apple precisam prestar atenção aos detalhes. Eles sabem que a experiência dos usuários dos produtos é importante. Eles sabem que se não internalizarem esses valores, o Steve Jobs vai humilhá-los e demiti-los na próxima reunião.

Você acha que o Steve Jobs andava pelos corredores gritando e demitindo gente o tempo todo? Não. Ele provavelmente fez isso poucas vezes. Mas essas ocasiões foram memoráveis e passaram de funcionário a funcionário (ou mesmo fora da empresa) através das histórias que contamos uns aos outros.


antique-squareMarcio Saito foi de São Paulo para a California para ajudar a estabelecer a Cyclades (a primeira empresa brasileira de tecnologia a se estabelecer no Vale) 20 anos atrás e acabou ficando. Hoje participa do ecossistema empreendedor como investidor, conselheiro, mentor, empreendedor. Me conheça.